Dissonâncias: o som do medo
Thiago Rocioli
Da Redação/Musixe
Quem nunca sentiu o coração acelerar ao ouvir a música do famoso plantão da Globo? Esse som abrupto e inesperado se tornou, ao longo dos anos, um gatilho emocional para uma sensação de alerta: vem notícia urgente por aí e na maioria das vezes ruim. A música, com seus elementos de dissonância, como as quartas aumentadas e as tensões que provocam, amplifica essas respostas emocionais e cria atmosferas de terror ou inquietação.
A música é uma linguagem quase mágica, repleta de sons que tocam o inconsciente e evocam sensações profundamente humanas, incluindo o medo. Neste contexto, uma dissonância é um som que produz uma sensação de “tensão” Diferente dos acordes maiores ou menores que evocam sentimentos de alegria ou tristeza, os intervalos dissonantes, como as quartas aumentadas, provocam angústia. A quarta aumentada é um intervalo considerado “diabólico” na história da música — por isso chamado também de diabolus in musica na Idade Média — devido à sua capacidade de criar um som desarmônico, provocando um sentimento de apreensão ou até medo.
Imagine um acorde sendo tocado e, de repente, surge aquela nota meio “fora do lugar”, que não se resolve facilmente. Essa nota chama nossa atenção, deixa-nos alertas, cria uma expectativa e, ao mesmo tempo, um certo desconforto. É o som perfeito para cenas de terror e suspense, pois induz uma resposta emocional que é difícil de ignorar.
No caso do plantão da Globo, as dissonâncias na melodia marcam uma experiência auditiva “desconcertante” que, somada a uma memória afetiva de anos de notícias ruins, quando se ouve não há quem não pense: “lá vem desgraça!”.
Esse sentimento de apreensão, gerado pela dissonância, é explorado na música para construir atmosferas de terror e suspense. Filmes e séries de suspense utilizam acordes dissonantes, como as quartas aumentadas ou diminutas, para criar no espectador uma tensão que não parece se resolver. Quando ouvimos esses acordes, é como se estivéssemos caminhando por uma ponte frágil que pode ruir a qualquer momento; é o som de um suspense que se arrasta, de algo que não se completa, deixando no ar a sensação de que algo está para acontecer.
Assim como uma melodia suave pode evocar uma lembrança carinhosa de infância ou uma canção romântica pode nos transportar de volta a um momento especial, músicas associadas a situações de tensão criam um registro emocional. Nossa relação com a música se torna um reflexo de nossas vivências, e assim, há músicas que nos fazem sorrir, nos dão esperança, e outras que nos fazem estremecer.
Outras vinhetas marcantes
Além da vinheta emblemática do plantão da Globo, não é difícil encontras outros exemplos. A música de abertura do Fantástico, exibida aos domingos, é marcante. O tema evoca uma mistura de curiosidade e preparação para a semana, sendo reconhecível por praticamente todo brasileiro.
A vinheta de dos informativos Jornal da Band, da TV Band, e ao Jornal Nacional, da TV Globo, deixaram suas marcas na televisão brasileira.
Com acordes sérios e um tom de urgência, ela prepara o público para as principais notícias do dia.
O trecho da música “O Guarani”, de Carlos Drumond de Andrade, é utilizado até hoje durante o programa.
A Musicoterapia e o Poder Curativo da Música
Na mesma medida em que a música pode gerar medo e desconforto, ela também pode ser uma poderosa aliada na cura e na promoção do bem-estar. A musicoterapia é a área que explora a música como um recurso terapêutico, utilizando melodias, ritmos e harmonias para tratar e aliviar condições como a ansiedade, a depressão e o estresse. Um musicoterapeuta trabalha para criar um ambiente sonoro que restaura o equilíbrio emocional dos pacientes, utilizando as propriedades harmonizadoras da música e até explorando de forma controlada a dissonância, para que a pessoa aprenda a lidar com tensões internas.
A dissonância também tem seu papel na musicoterapia. Ao trabalhar com intervalos que inicialmente causam desconforto, é possível ajudar o paciente a identificar e gerenciar emoções intensas ou mal resolvidas. Em vez de evitar a tensão, a pessoa aprende a escutá-la, a compreender sua origem, para depois transitar em direção à consonância, que simboliza a resolução e a calma. Esse processo espelha a própria trajetória de superação emocional e autoconhecimento que ocorre em sessões de terapia.
A Importância do Som na Nossa Vida
As músicas e os sons do cotidiano que nos cercam vão, aos poucos, moldando nossas reações emocionais. O plantão da Globo, os temas de terror e os acordes dissonantes são apenas um exemplo de como o som pode ter um impacto profundo e duradouro na nossa vida. O mesmo fenômeno ocorre em uma escala mais pessoal: a música favorita de uma fase da vida, o tema de um filme que marcou a juventude, a canção que se ouvia com uma pessoa especial – todas essas músicas são registradas em nosso subconsciente e nos conectam diretamente a memórias específicas e ao que sentimos naquele momento.
Em resumo, as dissonâncias são fundamentais na criação de ambientes de tensão e apreensão, provocando sensações fortes e memórias que nos perseguem ao longo da vida. E se, por um lado, essas dissonâncias nos remetem a momentos de medo ou desconforto, elas também são essenciais para nossa compreensão das complexas camadas emocionais da música. Com a ajuda da musicoterapia, a música se torna um caminho para explorar essas sensações e emoções, dando-nos ferramentas para enfrentar os desafios emocionais que surgem em nossas vidas. Afinal, mesmo nos sons mais assustadores, a música nos permite enxergar, entender e até transformar nossos medos em melodias de superação.
E aí, o que você achou?